Antevisão Etapa 16 — Giro d'Italia
Começa o Giro. Chegam as montanhas. Respondem-se às perguntas. Del Toro aguenta? Roglič está vivo? Ayuso ataca o colega? Carapaz e Bernal ensinam a miudagem? Malta, é dia de sofá.

Rescaldo da Etapa 15
Uma etapa com muito para contar desde os quilómetros iniciais. Uma luta acirrada pela formação da fuga deu-nos um início a todo o gás, inclusivamente com o pelotão a partir numa curta, mas íngreme subida. Tiberi foi o principal GC a ficar cortado, chegando a estar a mais de 1 minuto, mas ao fim de algum tempo o pelotão parou, o italiano chegou e a fuga formou-se finalmente. Dada a sua tardia formação, o grupo de 35 escapados não chegou ao Monte Grappa com muita vantagem, o que fazia prever que, caso existissem mexidas atrás, a saúde da fuga não seria grande.
Já na segunda metade da subida, o primeiro grande movimento do dia. A INEOS continua a assumir o papel de animadora da corrida e foi para a frente meter ritmo com o lume todo. O ritmo de Tarling/Turner/Castroviejo/Hamilton não foi nenhuma loucura mas chegou para preparar terreno à ofensiva de Bernal. O colombiano tem feito tudo para ser protagonista e merecer melhor sorte. Juntou-se no imediato o inevitável Isaac del Toro, que vai a todas, e nos momentos seguintes, à vez, Carapaz, Arensman e Gee. Juan Ayuso, que pouco antes tinha sido obrigado a trocar de bicicleta, deixou-se ficar num pelotão comandado pela sua equipa. E é aqui que começa a polémica — então Del Toro está na frente e é a UAE que persegue? Isto dava para uma crónica mas, não sendo esse o objetivo deste espaço, convido-vos apenas a assistirem ao nosso debate no podcast desta semana sobre o tema.

A verdade é que, goste-se ou não, a UAE quis congelar a corrida e pouco tempo depois voltava a estar tudo junto, fuga e tudo. A apatia natural do reagrupamento foi aproveitada pelos atacantes com liberdade para voltar a formar uma fuga antes da entrada na longa mas não muito inclinada última subida do dia. Chegam rapidamente aos 4 minutos de vantagem e percebe-se que, dificilmente, a vitória não estará na frente. Bilbao, Scaroni e Bardet podiam ser vistos como os favoritos à vitória mas foi o fiel gregário Carlos Verona quem arrancou para a vitória a solo, aproveitando os entreolhares atrás. Vão 6 para a Lidl-Trek, espetacular.
Atrás, apesar das pendentes baixas, os irrequietos Bernal e Carapaz voltaram a mandar as suas equipas para a frente e a lançar ataques, aparentemente inofensivos. Mais eis que se dá a bomba do dia, até da semana. Um grupo de 10/15 ciclistas estão na frente e nem vislumbre de Primož Roglič. É a confirmação de que o esloveno não está no seu melhor. Neste período mais mexido, Juan Ayuso também não pareceu dar grandes indicações e Isaac del Toro chegou a dar a sensação de que só não se foi embora para não colocar o espanhol em dificuldades.
Até à meta, uma conjugação de equipas a revezar-se na frente com o intuito de deixar Roglič o mais longe possível, acabando por colocar a diferença final em 1:30, com o esloveno a cair para a 10.ª posição na geral.

O percurso
Finalmente. Subidas a sério, consecutivas e perto da meta. O Giro este ano deixou tudo para a última no que às grandes montanhas diz respeito, mas dá tudo por tudo nesta terceira semana. É duro, é muito duro. São 3 subidas de primeira categoria nos últimos 100 quilómetros.
Segure-se quem puder, vai começar o Giro a sério.
São 204 quilómetros que arrancam com cerca de 65 no nosso terreno prelideto. Um falso plano lindo e apetitoso marca o início da etapa até à chegada a Carbonare (12.9km a 4.9%), onde a fuga do dia deverá ser consolidada. A partir daí, procurem metros planos sem sucesso. Candriai (10km a 7.5%) e Santa Barbara (12.6% a 8.3%) formam uma dupla terrível e temível. Pode chegar-se ao fim deste duo já com menos candidatos à Maglia Rosa do que os que arrancarem para a etapa.

Mas a dureza não se fica por aqui, pois para fechar os quase 5000 metros de acumulado positivo da etapa, ainda se sobe a San Valentino. 18 quilómetros a 6.2% não contam a história toda, pois é uma subida com períodos de descanso que escondem uma pendente superior na maior parte do tempo.
O seu topo coincide com o fim da etapa e o fogo de artificio amanhã, amigos, é garantido.

O que esperar
Já disse. Fogo de artificio. Adoro quando chegamos à fase das provas em que a estrada tende a colocar os ciclistas nos seus lugares. Em que já não são as táticas e as lideranças a tomarem as grandes decisões, mas sim as pernas.
O primeiro ponto para tentar perceber como decorrerá a etapa será ver a atitude da UAE. Até agora tem sido defensiva e depois de passar o dia de descanso a dizer que o líder é Del Toro depois de na estrada ter mostrado que o líder é Ayuso, podemos classificá-los como, no mínimo, difíceis de prever. Eu penso que o discurso pró Del Toro nos dá uma indicação de que Ayuso não está super. E se Ayuso não está super, a ideia deverá passar por manter a corrida a um ritmo relaxado, deixando ir uma fuga grande e, quiçá, até incluir membros na mesma. Fortunato estará lá e se tiver a top pode selar a classificação da montanha. Outros nomes como Bardet, Harper, Quintana etc. também não devem falhar a oportunidade agora que vêem chegar o seu terreno. Depois é ver se o pelotão deixa ou não que os fugitivos lutem entre si pela vitória.
Dito isto, só imagino uma corrida mexida desde longe se outras equipas tiverem a iniciativa. E essas equipas deverão ser a INEOS e a EF, numa primeira linha, e eventualmente Israel e Bahrain, numa segunda linha. Nenhum destes grupos tem plantel para colocar a UAE em sérias dificuldades, façam o que fizerem deverão sobrar uns 5, mas podem colocar um ritmo alto o suficiente para os ataques dos seus líderes poderem fazer diferenças e mostrar fraquezas no camisola rosa e em Ayuso. Acredito que o façam na subida a Santa Barbara por ser a subida mais dura do dia e por saberem que provavelmente as suas equipas não resistem para além dessa dificuldade.
A partir do momento do ataque de um deles, iniciar-se-á o primeiro real teste deste Giro e aí veremos quem pode realmente ganhar esta corrida. É possível que, mesmo havendo ataques cedo, a UAE consiga o reagrupamento e as decisões fiquem para a última subida, mas mesmo que assim seja podem esperar-se grandes diferenças, pois a dureza do dia vai fazer-se sentir nas pernas de todos.
Que seja um belo espetáculo. Amanhã e toda esta última semana.
Favoritos
Richard Carapaz — No meu cérebro, que funciona de maneira bastante esquisita, é neste momento o principal favorito a vencer o Giro. Carapaz quando está bem é perigosíssimo na alta montanha, não tem intenções de jogar para defender eventuais pódios e só tem os olhos postos no prémio maior. Steinhauser endurece, Cepeda lança e lá vai El Jaguar de Tulcan.
Nairo Quintana — Já se mostrou melhor nos últimos dias e este é o tipo de dia para ele. O ano passado foi o mais forte da fuga na mais dura das etapas e acredito que tenha um Nairo special para entregar nesta última semana.
Giulio Pellizzari — Roglič vai sentar-se na bike e ver se dá. Se não der, Pellizzari vai à sua vida que bem merece, depois do extraordinário Giro que vem fazendo. Está a menos de 7 minutos na GC e se for para a fuga o top-10 não está fora da equação.
A não perder de vista
Primož Roglič — Never underestimate the heart of a champion. Eu já vi Rogla renascer das cinzas várias vezes, quando parecia acabado. Já vi Froome e Nibali ganharem Giros que estavam perdidos. Por isso, até ele entrar no carro, eu não o descarto da corrida. E digo mais, se ele não desistiu é porque também o próprio ainda não se descarta da corrida, não vai ficar em prova para tentar fechar top-10. É preciso algo especial e Roglič é o tipo de homem que nos pode proporcionar isso.
Egan Bernal — Bernal ataca, ataca, ataca e depois ataca mais uma vez. Até ver, sempre sem sucesso. Por falta de pernas do próprio ou por excesso de força dos adversários? Amanhã começaremos a ter a resposta para isso. Que bonito era ver o colombiano voltar a levantar os braços depois de tudo. Estou a torcer por ti, Bernal, tenho a crónica pronta.
Juan Ayuso — Não tem dado boas indicações e a equipa parece estar a querer tirar os holofotes de si, o que será mau sinal sobre a forma do espanhol. Ainda assim, veio a este Giro para ganhar e com um Roglič tão mal, é sua "obrigação" ganhar se quer fazer jus àquilo que acha de si próprio. É agora ou não é, Juanito.
Michael Storer — Ele veio ao Giro, não veio? Tem estado super discreto mas a verdade é que não está assim tão longe do top-10. Acredito que possa ingressar a fuga, onde será um dos mais fortes, e fazer um Guillaume Martin.
Romain Bardet — Ele tem de ganhar uma, já tinha escrito isso aqui.
Isaac Del Toro — Eu acho que vai claudicar na alta montanha, mas é indiscutível que tem sido o mais forte até ver. Se passar o teste amanhã passa a ser, até para mim, o principal favorito à vitória. Se vencer a etapa então, ficará difícil argumentar contra. Estou a torcer também por ti miúdo, cheio de estilo e de irreverência, e sei que o teu momento vai chegar, só não acho que seja já.
Apostas falso plano
André Dias — Yordan Petrov em chegada ao sprint. Isto é a Volta a Albânia, certo?
Fábio Babau — Isaac, deixa o Primož passar.
Henrique Augusto — O Carapaz a meter a UAE toda em sentido.
O Primož do Roglič — Simon Yates.
Miguel Branco — Storer. Vai Tudor Abaixo.
Miguel Pratas — Primož Bluff Roglič.
Nuno Gomes — Pellizari em modo, Free Willy.
Rogério Almeida — Richard Geere.