Antevisão — Giro d'Italia Women
Sim, a prova por etapas com mais história no ciclismo feminino também começa agora.

Introdução
No ciclismo feminino, o Giro sempre foi a prova mais importante no que a etapas diz respeito. Esta é a sua 36.ª edição e é corrida ininterruptamente desde 1993 para que se perceba a longevidade: 1993 no ciclismo feminino significa idade da pedra. É claro que assim que o Tour saltou para a ribalta na sua configuração actual… Enfim, o Tour é o Tour, não é verdade? Mas é preciso respeitinho por este Giro d'Italia Women, na sua nomenclatura actual.
Annemiek van Vleuten (quatro vezes), Anna van der Breggen (idem idem), Marianne Vos (três vezes), Nicole Cooke, Claudia Lichtenberg, entre tantas outras, figuram na vitrine de vencedoras da histórica prova transalpina. Épicas batalhas foram travadas nestas estradas.

A verdade é que não deixa de ter um sabor amargo — num momento em que o ciclismo pedala já sobre uma bicicleta mais mediática, mais sua, com o objectivo, ainda longínquo é certo, mas mais à vista, de uma modalidade igualitária — que este Giro, a maior prova por etapas na sua dimensão histórica, decorra ao mesmo tempo que a Volta a França masculina, a maior prova de todos os tempos, que seca tudo ao seu redor. Não é justo para ninguém: quem corre e quem quer ver. Este Giro vai começar no próximo dia 6, domingo, dia da Etapa 2 do Tour, e isso não faz sentido nenhum.
Apesar disso, felizmente, para 2026, a UCI já confirmou o calendário World Tour feminino e o Giro decorrerá mais cedo, entre os dias 30 de Maio e 7 de Junho, 20 dias depois da Vuelta e cerca de dois meses antes do Tour. Para já, no entanto, olhem, queridos leitores, arranjem tempo, arrumem-se, orientem-se, porque o que tem de ser tem muita força. E este Giro d'Italia Women promete.
O percurso
Etapa 1 (ITT) — A tradição ainda é o que era: o Giro começa com um embate com o relógio. Se durante 2017 e 2021 reinou o contrarrelógio colectivo, desde então que voltámos ao individual. E aqui está outro. E logo em Bergamo, essa capital da Lombardia com tanta ligação ao ciclismo. Da última vez que o pelotão por aqui passou nesta prova, Marianne Vos bateu Lotte Kopecky e Silvia Persico num sprint em grupo reduzido.

Etapa 2 — Este é o tipo de etapa que costuma ser uma festa daquelas bem carregadas. Arranque em descida — o que pode significar que há gente louca o suficiente para sair ao quilómetro zero, gente importante — e um final em Aprica que serve os intuitos de muito boa gente. É curta (92kms), a meta está instalada numa terceira categoria com quase 13kms a menos de 4%; em teoria um falso plano. Mas a verdade é que tem rampas bastante duras e isto não deixa de ser o Giro, portanto, toda a gente quer a sua etapa. Será que Lorena Wiebes aguenta? Ou é fruta a mais? E Marianne Vos?

Etapa 3 — A terceira etapa não faz por menos. Arranca directamente para o histórico Passo del Tonale (8.4kms @ 6.2%) — já feito mais de 15 vezes no Giro masculino — e depois oferece 100 quilómetros em descida e em plano; vá, 65 em descida e uns 40 em plano. Portanto, mesmo que existam ideias ofensivas para o arranque, mesmo que as sprinters descolem, existe a esperança de que reentrem. Mas é isso mesmo, uma esperança, não é uma certeza.

Etapa 4 — Ora bem, isto já é outra conversa. Para já passam o Muro di Ca' del Poggio, subida monstra de apenas um quilómetro que vimos o pelotão masculino fazer no dia do Monte Grappa, etapa 15 do Giro 2025. A partir daqui, há muita boa gente que já não reentra. E depois, Pianezze, uma subida de quase 11kms a 7.5% de pendente média. A regularidade desta ascensão é muito, muito dura, e isto vai fazer diferenças abismais.

Etapa 5 — Agora sim, sem hesitações, até dá para passar uma camisa a ferro. Vitória para Wiebes se não cair entretanto.

Etapa 6 — Não tem nenhuma subidona surreal, mas é uma etapa muito muito dura, sempre a subir ou descer, rompe pernas, com alguns muros bem exigentes. É o tipo de etapa muito perigosa, porque uma distracção, um mau posicionamento, uma trajectória demasiado larga a descer e beijinhos, até pó ano.

Etapa 7 — Eis a etapa rainha deste Giro. Não é só o Nerone, é o que se lhe antecede. Dureza quase desde o começo e no final o temível Monte Nerone. São 14.6 a 6.6%, mas isso é porque o início é soft. Os últimos 7/8 quilómetros são de uma dureza temível e os últimos 600 metros são a mais de 11%. É o tudo ou nada.

Etapa 8 — Acho que vai depender muito de como estiver a classificação geral. É um circuito com muita dureza que tem a meta instalada dentro do quartel-general da Ferrari, o mítico autódromo de Imola, no fundo, é um perfil muito semelhante, pelas mesmas subidas e atalhos, aos Campeonatos do Mundo de 2020, onde venceram Anna van der Breggen e Julian Alaphilippe. Mas é o tipo de circuito onde não será propriamente fácil fazer enormes recuperações de tempo, mas onde dá, claro, para ajustar distâncias mais curtas. E com oito etapas seguidas nas pernas…

O que esperar
Disse-vos que ia ser um espectáculo. E repito. Sobretudo porque acho o percurso uma delícia, muito bem pensado. Contrarrelógio ao início para separar o trigo do joio, duas etapas meia-canja para aliciar as sprinters e dar ideias de movimentações tácticas criativas, um paredão, uma tábua de engomar, uma pseudo-clássica, outro paredão e outra pseudo-clássica. Não é brincadeira nenhuma. E um traçado assim tem o potencial de gerar situações inusitadas.

Contudo, tenho de admitir que tendo em conta o contrarrelógio inicial e a forma agressiva como tem corrido, parece-me que Marlen Reusser parte como grande favorita à maglia rosa. Sim, andar de rosa do primeiro ao último dia. É isso que eu espero. A equipa da helvética não é brilhante, mas Lippert, Meijering, Martín e Patiño não é nada de se deitar fora — e Reusser, mesmo sozinha, como se esteve em grande parte na Volta a Suíça, tem sido capaz de dar conta do recado.
Por outro lado, claro, há uma Elisa Longo Borghini que venceu aqui em 2024, numa das mais especiais vitórias da sua carreira. Mas essa era uma Elisa Longo Borghini numa forma surreal, na forma de uma vida, que este ano ainda não demonstrou estar de volta. Perdeu sem grandes conversas para Reusser em Burgos e tem de estar muito melhor se quer ombrear com a favorita. Acredito que possa ser a principal rival, mas é bom que esteja noutro nível. E tem de contar com uma super Silvia Persico, que funcione como uma redoma da sua líder.
Depois, como não podia deixar de ser, há a SD Worx, a equipa que ficou refém de líder após a saída de Demi Vollering. A GC Kopecky ainda não apareceu e nem sequer estava listada para o Giro, se vem aqui é, a meu ver, o consentimento de que o Tour é impossível e que o melhor é apostar tudo nesta prova. Considero que vai estar melhor do que aquilo que temos visto este ano, mas não ao ponto de estar ao nível de Reusser. E isso faz-nos desaguar em Anna van der Breggen, que procura somar o quinto Giro, mas que demonstrou na Vuelta ainda não ser a Breggen pré-reforma. Ainda assim, talvez fosse melhor a SD Worx esclarecer internamente quem é a líder e qual é a ideia. Entendo que possa fazer baralhar Reusser e tentar fazê-la responder a Kopecky e a Breggen ao ponto de rebentar, mas para isso também seria preciso que as duas estivessem num super momento e não há certezas sobre isso. Sabemos que se aparecer a melhor Breggen desde o seu regresso podemos estar na presença, talvez, da maior rival de Reusser.
Todo o cuidado é pouco.
Favoritas
Marlen Reusser — A não ser que esteja no seu limite por ter começado a época a 25 de Janeiro, Reusser tem tudo para chegar à vitória mais importante da sua vida.
A não perder de vista
Elisa Longo Borghini — Parece infinita, intemporal. Esta época "apenas" venceu o UAE Tour, a Dwars van Vlaanderen, a Flèche Barbançonne e os nacionais de fundo. Sim, para Longo Borghini é pouco. Mas é lógico que tem uma palavra a dizer.
Lotte Kopecky — A minha aposta é que o plano falhou, que Kopecky não conseguiu tornar-se uma candidata ao Tour, não conseguiu imprimir essa alteração no seu corpo, na sua preparação, na sua forma de correr. Mas se estiver enganado peçam o livro de reclamações.
Anna van der Breggen — A sua história com esta prova é inacreditável. E voltar ao nível que a neerlandesa voltou não é para qualquer uma. Eis o maior teste desde então. Tem um contrarrelógio a abrir para começar bem.
Juliette Labous & Évita Muzic — Não terão outra oportunidade para brilhar a nível pessoal como aqui. E confio que as mudanças de hábitos, mentalidade, treino, tudo o que mudou na estrutura com a chegada de Vollering, podem ter um efeito.
Yara Kastelijn & Pauliena Rooijakkers — Duas belas cartas da Fenix-Deceuninck que têm como primeiro objectivo não ficar demasiado longe na geral depois da primeira etapa. O pódio não é um sonho impossível.
Apostas falso plano
André Dias — Longo Borghini. Montanha para a Elisa? Elimpinho.
Fábio Babau — Marlen Reusser, de cadeirinha.
O Primož do Roglič — Massa de Lotte dava um bom nome. Ganha a Kopecky.
Henrique Augusto — Rooijakkers. Que isto tem muita montanha e eu quero ser diferentão.
Miguel Branco — Ruth Marlen Reusser. Pisca, pisca. Rosa, rosa.
Miguel Pratas — O penta de Van der Breggen.
Rogério Almeida — Após 20 anos, Reusser reivindica a vitória para a Suíça.