Antevisão — Tour de l'Avenir

Espera-se um corridaço. Grande percurso, grandes estrelas e muito em disputa. O futuro é agora.

Antevisão — Tour de l'Avenir
Tour de l'Avenir

Introdução

Quem nunca perdeu uma lancheira a caminho do trabalho que atire a primeira pedra. Algures entre o comboio e o eléctrico. Não faz sentido, eu tinha a lancheira aos pés, junto ao tote-bag, como é que eu...? Uma quinoa incrível, bem picante, com legumes, ovo cozido, azeitonas receita napoletana, aquela curgete da horta da sogra, pois, ficou algures. Vai servir o almoço de um motorista, pelo menos isso. É o futuro, não é? É sempre o Avenir, o que se segue, imaginar o que seria a melhor parte do dia, a pausa para almoço que agora vai ser um almoço fora, que não é que seja mau, mas não é o que se tinha imaginado. As expectativas.  Bem sei que o salto é grande, mas o Tour de l'Avenir, no fundo, é a vontade de agarrar a lancheira, de não a perder, de a ver chegar ao almoço. Quantas lancheiras não foram perdidas pelo caminho? O que foi feita daquela lancheira Romain Sicard que venceu em 2009 (e que nesse ano tinha sido campeão do mundo sub23 em Mendrisio)? Aquele segundo posto de David Boily em 2011? Aquele terceiro lugar incrível de Adrien Costa em 2016? Aquela vitória de Tobias Foss em 2019? No fundo: onde é que vocês foram parar, estimadas lancheiras prometedoras?  O Tour de l'Avenir tem tanto de palco secundário, de promessa de cabeça-de-cartaz, como tem de secção de Perdidos e Achados da Carris. Os últimos anos, contudo, têm se dado menos ao desaparecimento involuntário. Tobias Halland Johannessen, Cian Uijtdebroeks, Isaac Del Toro e Joe Blackmore são lancheiras que conseguiram seguir o seu rumo em direção ao Avenir. Este ano, aposto, muitas outras lancheiras vão seguir as suas pisadas, vão livrar-se dos vários desvios que existem no caminho. Um bom almoço, minha gente.

O que Pablo Torres fez o ano passado na Finestre foi surreal. O 2.º ficou a mais de 3 minutos e meio. (foto: Insta Avenir)

O percurso

Prólogo (ITT) — Prólogo-escalada é grande conceito. 3 quilómetros em falso plano para abrir o apetite e os candidatos começarem logo a dar o corpo às balas.

Etapa 1 — É meia ganga que se diz, né? Não há pendentes duras mas a verdade é que são muitos quilómetros a subir e tradicionalmente aqui as corridas costumam ser pouco controladas, pelo que vários cenários são possíveis. Eu aposto num atacante a levantar os braços.

Etapa 2 — Sprintalhada da boa. Pode formar-se uma fuga dificil de controlar na acidentada fase inicial, mas com tantos interesses presentes acredito que no final vão ser os homens rápidos a discutir a vitória entre si.

Etapa 3 — Mais um dia para os sprinters. A chegada é em ligeiríssima subida.

Etapa 4 — A malta dos muitos watts, dos encontrões, do lançamento da bicicleta e dos músculos nas pernas não se pode queixar. Três dias seguidos para lutarem entre si pelo estatuto de homem mais rápido e, já agora, por um contrato numa equipa grande. É uma das belezas desta prova.

Etapa 5 — A malta que referi acima escusa de arrancar já para esta etapa. É puro masoquismo daqui para a frente. Praticamente 4000 metros de acumulado, 70 quilómetros a subir em 120 quilómetros numa etapa que tem tudo, só não tem é metros planos. Aqui é para ver quem, dos meninos, sobe como homem grande.

Etapa 6a — Estes 42 quilómetros, epá. São 42 quilómetros que prometem tanto que nos vão agarrar ao sofá. A corrida deve chegar aqui ainda aberta (até porque Avenir está sempre aberta) e depois vai ser full gas o tempo todo.

Começa com a mortífera subida a San Carlo, cujo perfil em baixo fala por si mesmo. Depois descem um pouco e pimba, mais 13 quilómetros a subir. Descem mais um pouco, só para enganar, e a chegada é num kick de 2 quilómetros a 6%. Se só puderem ver uma etapa amigos, marquem esta.

Imaginem estarem a fazer rolos, tranquilos. Vão para a linha de partida e, a partir do metro zero, deparam-se com este monstro.

Etapa 6b (ITT) — Os meninos param para almoçar (os que não perderam a lancheira) e têm pela frente, na parte da tarde, os derradeiros quilómetros da prova. São 10 quilómetros de esforço individual com quase a 7% de inclinação média, com períodos bem mais duros pelo meio. E convém recordar que de manhã já levaram uma sova. Vai dar para fazer diferenças e esperemos que a corrida chegue aqui ainda com o seu título em disputa.

O que esperar

O que esperar? Um Avenir de loucos, como tantos outros. Aqui não há muito que enganar acho que temos seis candidatos à vitória final: Pablo Torres, Paul Seixas, Pavel Novak, Jarno Widar, Jakob Omrzel e Jørgen Nordhagen.

Para mim, a vitória está nestes seis ciclistas, mas de que maneira? Espero que de uma forma louca, como temos visto em outras edições. Por exemplo, na edição de 2021, Carlos Rodriguez atacou de longe e ganhou 2:11 na última etapa, mas perdeu por apenas 7 segundos na geral para Tobias. Ou no ano passado, quando Pablo Torres venceu a última etapa e ganhou 3:43 ao Blackmore no Colle delle Finestre, mas acabou por perder por 12 segundos na classificação geral, sendo que no dia anterior foi o Blackmore quem ganhou 4:58 ao Torres, que vestia a camisola amarela. Conseguem imaginar a intensidade daquela prova?

Esta corrida, por norma, não é muito tática, é uma corrida de pernas e coração, muitas vezes sem “cabeça”. É difícil controlar uma corrida em que só se pode ter, no máximo, seis ciclistas por seleção.

Com um prólogo-escalada na primeira etapa, vamos ter logo os homens da classificação geral nos primeiros lugares. Claro que podem sempre aparecer alguns intrusos, como o australiano Zac Marriage, mas os favoritos certamente estarão lá. Na primeira etapa, o perfil indica que será de sprint, mas aquela terceira categoria, com 15,4 km a 3,3%, pode dar ideias a alguém de forçar na subida e vamos ver se não se tornará uma etapa disputada pelo top 10, pois os dias seguintes serão mais tranquilos para a classificação geral. Somente nos últimos dois dias (últimas três etapas) é que esperamos ação do top 10.

Os blocos mais fortes de montanha parecem ser o da Bélgica, França e Itália — importa mencionar que é uma prova disputada por seleções. Mas acho que principalmente os belgas e franceses vão atacar a corrida nas últimas duas etapas de montanha antes da crono-escalada. O bloco italiano é forte, mas não parece trazer um líder definido, e sim três co-líderes.

Quanto aos sprinters, temos nomes como Noah Hobbs, Davide Donati, Karsten Feldmann e, talvez o mais conhecido, Matyas Kopecky. Existem outros homens rápidos, mas acredito que esses serão os nomes mais sonantes para disputar o puro sprint. Na categoria sprint-punch, destacam-se nomes como Pau Martí, que venceu uma etapa na Volta a Portugal, e Carlos Garcia, do México.

Favoritos

Jarno Widar — Em teoria, o favoritismo e a maior pressão da mídia estão sobre o jovem Jarno Widar. Por ter falhado no ano passado, fica a dúvida se ele seria melhor que Blackmore e Torres. Desde o início do ano, ficou claro que vencer aqui para Widar é um objetivo importante, e com a equipe que ele tem à disposição, espera-se que a Bélgica molde a corrida para o seu líder. Isso deve envolver ataques, principalmente nas etapas de montanha, para que Widar possa mostrar todo o potencial que se espera dele.

Paul Seixas — O bloco francês, a jogar em casa, quer vencer e vem com o jovem prodígio para tentar alcançar esse objetivo, algo que não acontece desde 2016. Paul Seixas conta com toda a seleção à sua disposição ,e como vimos no Dauphiné, a Decathlon trabalhou para ele num grupo que incluía alguns dos melhores do mundo, mostrando que ambição não lhe falta. Este ano já competiu várias vezes ao lado das melhores equipas do World Tour, o que lhe confere a experiência necessária para encarar esta prova. Sendo um ciclista de perfil atacante, aposto as fichas todas que não vai seguir rodas.

Pablo Torres — Pablo Torres, outro repetente do Avenir, vem com vontade de conquistar aquilo que lhe escapou por entre os pedais. Tem no contra-relógio a sua fraqueza, mas com prólogo-escalada e crono-escalada, isso não é uma preocupação, pois subir é o que ele faz melhor. É um ciclista bastante atacante, e conta com Adrià Pericas como braço direito ou co-líder, um grande talento que pode ajudar Torres a partir a corrida toda. No entanto, é preciso estar atento ao Pericas, se lhe derem espaço, pode tornar-se num vencedor. Apesar de o bloco espanhol não ser tão forte quanto o de outros países, se Pericas trabalhar para Torres, sem dúvida será o líder com o melhor gregário.

A não perder de vista

Jakob Omrzel — O novo Pogačar está a chegar. Jakob Omrzel, este miúdo tem muito talento, já fez algumas coisas melhores que Pogačar, noutras fez igual. Ganhar o Avenir seria apenas mais um dado nesta comparação. No entanto, ele já conquistou o Giro Next Gen este ano, o que mostra o seu potencial. Talvez não seja tão trepador como outros favoritos, mas a sua capacidade de ataque pode fazer-lhe ganhar tempo e proporcionar espetáculo antes das montanhas.

Pavel Novak — A Chéquia traz a sua futura estrela, Pavel Novak. De todos os favoritos à vitória que mencionei, acho o mais provável de acabar fora do pódio. Semelhante ao Pablo Torres, Novak não tem muito contrarrelógio, mas aqui o percurso não é plano, o que lhe favorece, especialmente para atacar nas montanhas.

Jørgen Nordhagen — Este miúdo já corre entre os grandes, e espero que mostre todo o seu potencial. É um grande trepador, além de se defender muito bem no contrarrelógio. Combinando essas duas qualidades, pode facilmente sair no top 3 na prólogo-escalada.

Trio Italiano — Lorenzo Finn, Simone Gualdi e Filippo Turconi, um trio que pode conseguir terminar o Avenir no top 10. Isto, se cada um correr para si. No entanto, se optarem por se unir em torno de um líder, poderão ter uma chance de lutar por um top 3 ou até levar a vitória para Itália.

Bitaites sobre cada uma das Seleções

Portugal — Daniel Lima é talvez o ciclista mais conhecido da equipa, mas Portugal tem em Lucas Lopes a sua melhor arma para o Top 10. Vem de um Top 10 na Grandíssima e fez 12.º no Avenir do ano passado.

Grã-Bretanha — Tem Callum Thornley para a geral e lutar por um lugar no top10. Noah Hobbs claramente um sprinter, se tiver alguma dureza melhor.

Espanha — Tem como líderes Pablo Torres, segundo o ano passado, e Adrià Pericas. Pau Martí, que esteve na Volta a Portugal recentemente e onde obteve uma vitória de etapa, será gregário, mas com a sua qualidade poderá ser o sprinter-punch da equipa.

Paises Baixos — Traz o Marvin Peters como sprinter da equipa. E numa equipa discreta traz o Otto van Zanden para tentar lutar por etapas.

França — Paul Seixas será o líder indiscutível da equipa e traz um conjunto todo em torno dele.

Italia — Traz um equipa forte com três armas para a classificação geral, Lorenzo Finn, Simone Gualdi e Filippo Turconi. O sprinter da equipa deverá ser o Davide Donati.

Dinamarca — A Dinamarca traz uma dupla que já esteve bem esta época na Course de la Paix — Simon Dalby e Peter Øxenberg.

Colombia — Juan Felipe Rodriguez, Estiven Garcia Gomez e Jaider Muñoz, um trio de trepadores que certamente irão tentar fazer top10. O maior destaque da equipa é Samuel Florez, mas será para etapas de sobe e desce.

Luxemburgo — Tem um sprinter interessante, Mathieu Kockelmann.

Austrália — Tem como maior estrela Zac Marriage , ciclista competente no contrarrelógio, mas após esta volta a Portugal parece que também evoluiu a subir.

Suiça — Com o seu 15.º lugar o ano passado Robin Donzé deve querer melhorar.

Chéquia — Pavel Novak chega aqui para a sua 3ª participação no Avenir, vindo de um top 3 no Giro Next Gen. Matyas Kopecky é o sprinter em prova que mais experiencia tem no meio do pelotão profissional.

Áustria — Tem Marco Schrettl para uma possível boa classificação, mas parece que vão só participar.

Bélgica — Jarno Widar é a estrela desta equipa, é um dos favoritos à vitória final da prova. Mas a Bélgica não é só Widar e tem com ele um bloco forte e também eles podem aparecer e brilhar.

Polónia — Tem o Filip Gruszczynski que pode ambicionar um top10.

Eslovénia — Jakob Omrzel o novo miúdo sensação da Eslovénia, já teve bons resultados este ano entre os profissionais e ganhou o Giro Baby. Anze Ravbar não descarto de o ver vencer uma etapa.

México — Carlos Garcia um sprinter-punch e César Macias é mais um puro sprinter.

Equador — Tem o Mateo Ramírez para disputar a classificação geral, esta época já fez 2.° no Valle  d'Aosta.

Noruega — Jørgen Nordhagen sem dúvida o homem para a geral e um dos favoritos à vitoria final. Trazem também o Karsten Feldmann para o sprint, esteve muito bem na recente Artic Race.

Irlanda — Tem dois ciclistas que deverão apontar a uma boa classificação geral em Liam O'Brien e o Jamie Meehan. Os restantes 4 elementos são ciclistas mais sprint-punch o que certamente vão tentar ataques e fugas para tentar vencer.

Centro Mundial de Ciclismo, Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Suécia, Cazaquistão, Japão — O que interessa é dar experiencia aos miúdos e participar.

Apostas falso plano

André Dias — Jarno Widar. É desta.

Henrique Augusto — O Seixas se tivesse na Vuelta lutava pelo top-5. Aqui espero que lute por meter 5 minutos em toda a gente.

O Primož do Roglič — Paul Seixas, como é óbvio.

Miguel Branco — Jakob Omrzel. Habituem-se, os eslovenos comandam o mundo.

Miguel Pratas — Nove anos depois de Gaudu, um francês volta a vencer o Tour. Mesdames et Messieurs, Paul Seixas.

Nuno Gomes — Jarno Widar, porque já estava na minha lista para este ano e ele decidiu não ser profissional.

Rogério Almeida — Esta vem para Portugal, Paulo Seixas.