Antevisão — Volta a Portugal
Portugal é o jardim à beira-mar plantado. Vai mais uma Volta ao nosso jardim?

Introdução
Começa em junho com sol e praia. À medida que o tempo avança, comemos uma sardinha no pão e vamos aos Santos para dar um passinho de dança. Chegam os festivais, as noites quentes, os arraiais e todas as festas de aldeia ou junta de freguesia a que temos direito. Com o calor, chegam também as férias. E com elas, a Volta a Portugal.
Volta a Portugal que, para muitos de nós, foi um ponto de partida para gostar de ciclismo. E ao escrever isto questiono-me: quantos dos que estão a ler isto é que se lembram da Volta com 14 etapas? Eu lembro-me bem.
E lembro-me particularmente de ver Gamito perder em 1996 para um italiano da Saeco (Massimiliano Lelli); lembro-me de vê-lo a voltar a perder em 1999, desta vez para David Plaza e por 9 segundos. Mas a melhor memória é a de 2000, onde o Gamito ganha na Torre e no contrarrelógio, onde dobra o ciclista que está em 2.° lugar, o Claus Møller. E finalmente vence assim a sua Volta a Portugal.

Uma entrevista para aquecer
Sendo esta a prova mais importante para o ciclismo português, fomos falar com um dos seus participantes. O falso plano desafiou o ciclista Carlos Miguel Salgueiro que prontamente acedeu. Ciclista de 26 anos, da equipa APHotels & Resorts / Tavira / SC Farense, já vai fazer a sua 5.ª presença na Volta a Portugal.
(Também já foi três vezes campeão nacional de ciclocrosse, o que dava toda uma outra entrevista. Máquina.)
falso plano — O que significa para ti a Volta a Portugal? Que impacto teve a Volta para te tornares ciclista?
Carlos Salgueiro — Para mim, a Volta a Portugal representa o ponto mais alto do ciclismo português durante o ano. É aquela corrida que todos os ciclistas das equipas portuguesas preparam ao máximo. Teve um grande impacto em mim quando era mais pequeno pois era a única corrida portuguesa que via na televisão e foi uma das que me fez querer tornar-me ciclista profissional.
falso plano — Qual a melhor memória da Volta a Portugal, como ciclista e como adepto?
Carlos Salgueiro — Como adepto, diria que foi no meu primeiro ano de Júnior, em que as etapas da minha Volta a Portugal de Juniores coincidiam com os finais de etapa da Volta a Portugal dos profissionais. Pela primeira vez, tive a sensação de ter aquele público e todo aquele “aparato” nas chegadas! Foi algo que me motivou ainda mais a querer ser ciclista profissional e poder sentir aquilo durante quase duas semanas.
Como ciclista, a melhor memória que tenho é na Volta a Portugal de 2024. Na etapa da Senhora da Graça, passei sozinho em Mondim de Basto (entre o pelotão e o grupeto) e estava uma moldura humana como nunca tinha visto. Ainda estavam muito mais pessoas do que nos anos anteriores em que eu já lá tinha passado! Comecei a puxar pelo publico e toda a gente começou a gritar e a chamar o meu nome. Fiquei arrepiado. O barulho era tanto que eu nem me ouvia a respirar. Foi das coisas mais incríveis que já senti na minha vida e, para melhorar ainda mais, tenho uma foto desse preciso momento para recordar para sempre!
falso plano — Que achas do percurso deste ano? Achas que estamos a seguir a tendência das grandes provas, fugindo um pouco às etapas para os sprinters?
Carlos Salgueiro — Penso que o percurso deste ano é bastante duro. Talvez o ano passado tenha sido ainda pior, mas este ano, é muito duro na mesma. Está a seguir a tendência das corridas lá fora e praticamente tira qualquer hipótese de vitória de etapa para os sprinters.
falso plano — E em que etapas – ou perfil de etapa – vamos poder ver-te?
Carlos Salgueiro — Depende um pouco de como a corrida se desenrolar. Na minha equipa, temos grandes ambições à classificação geral. Mas diria que tenho ambições a andar bem tanto no prólogo como no contrarrelógio final. Nas etapas de média montanha, quem sabe, discutir uma etapa através da fuga. A etapa com chegada a Santarém também é uma etapa que me assenta bem, mas se for discutida ao sprint em pelotão compacto irei lançar o Francisco Campos.
falso plano — Quem achas que são os favoritos para a classificação geral? Existe alguém melhor que o Jesús David Peña [colega de equipa do Carlos]?
Carlos Salgueiro — Penso que os favoritos à partida, pelo decorrer da época até agora, são o Peña, mas também o Artem Nych e o Alexis Guerin, da Anicolor. Mas incluía também nesse lote o meu colega Afonso Silva. Este ano, passei muito tempo com ele em estágios e corridas; sei que está num grande momento de forma. Das equipas estrangeiras, ainda não vi bem ao certo quem vem. Mas certamente haverá um ou outro que se vai intrometer na discussão da Volta.
falso plano — Que outro ciclista achas que se pode destacar?
Carlos Salgueiro — Diria, sem dúvida, o Rafael Reis. Dispensa apresentações: é um ciclista de grande valor e atualmente o melhor contrarrelogista a correr em Portugal. É o favorito principal a vencer o prólogo de abertura e o contrarrelógio final em Lisboa.
(Obrigado, Carlos, e boa corrida. Ficamos a torcer por mais memórias inesquecíveis. Vamos todos levar-te no Velogames.)

O percurso
Prólogo — Clássico prólogo para abrir a Volta a Portugal. Não é duro nem técnico, por isso serão 3,4 km de sprint.

Etapa 1 — Na primeira etapa em linha de 162,3 quilómetros, e após duas montanhas de 3.ª categoria, os ciclistas vão ter uma dupla ascensão ao Santuário do Sameiro (6,4 km a 6,1%) e com direito a final em alto. O primeiro de muitos.

Etapa 2 — Voltamos a Fafe para passar mais uma vez no circuito de sterrato. Neste troço está colocada uma contagem de 3.ª categoria (1,6 Km a 7.3%), mas não se deixem enganar: os ciclistas já vêm em subida há mais de 10 quilómetros.

Etapa 3 — Ok, esta não acaba em subida. Mas é uma etapa de 185,2 quilómetros, onde temos quatro contagens de montanha categorizadas (fora o que sobem e não contabilizaram), com passagens na Serra do Brunheiro (9,7km a 4,5%) e Serra da Nogueira (8,1km a 6,6%) — a 40 km da meta. São, no total, 3105 metros de desnível positivo acumulado. Este país não é para sprinters.

Etapa 4 — E lá vamos nós até Mondim de Basto. Das chegadas mais esperadas pelos amantes da nossa Volta e pelos ciclistas. Com saída de Bragança, os ciclistas vão enfrentar o Alto do Popolo (8,4km a 4,3%), o Leiros (6,2km a 4,2%) e não cansados ainda têm a Serra do Alvão (10,3km a 6,8%). Depois disto, é a descer em direção à multidão que os espera: entram em Mondim de Basto e é sempre a subir até ao topo da Senhora da Graça (8,4km a 7,5%).

Etapa 5 — Ah, finalmente um sprint... só que não. O sprinter que quiser disputar esta etapa terá de enfrentar o Bigorne (29,4km a 3%). Um enormíssimo falso plano – coisa linda! – mas que não vai deixar as pernas em bom estado para os últimos 75 quilómetros de sobe e desce, com final num circuito em Viseu.

Etapa 6 — E vamos a mais uma jornada montanhosa. Agora de Águeda até à Guarda. Com cinco contagens de montanha categorizadas, esta etapa acaba com uma parede de 3,1 km a 6,1%.

Etapa 7 — A etapa rainha da Volta. Chegada à Torre com entrada pelo lado da Covilhã. Os ciclistas vão percorrer um total de 156 quilómetros para aquecer as pernas antes de começar a subida à Torre (23 km a 6,3%).


Etapa 8 — Começamos a descer no país em direção a Santarém. E a chegada ao Ribatejo é de um final explosivo: rampa de 1,1 km a 6,1%.

Etapa 9 — Mais um final em alto, desta vez no Montejunto (5 km a 8,4%). O ultimo vencedor aqui foi o Jesús David Peña, este ano no GP Internacional Torres Vedras - Troféu Joaquim Agostinho.

Etapa 10 ( ITT) — Contrarrelógio final, para um "passeio" em Lisboa. Com partida e chegada junto à Torre de Belém.

O que esperar
Primeira previsão: devido à falta de sprints e à dureza da prova, prevejo que vamos ter muitas fugas a chegar.
Na luta pela Geral, sinto que a prova vai um pouco ao contrário do ano passado. A corrida deverá ser bastante atacada pela Anicolor (equipa que tem o vencedor do ano passado), já que o percurso se adequa muito às características dos seus ciclistas, tanto de Artem Nych como de Alexis Guerin.
Já para o seu lado, a Tavira tem nas suas fileiras Jesús David Peña. Vindo do WT para Tavira, já mostrou que tudo o que seja a subir podem contar com ele. Mas pode ter dificuldade no contrarrelógio, por isso tem de garantir que chega à última etapa com margem suficiente.
Ainda dentro do pelotão nacional, temos alguns nomes a manter debaixo de olho, porque podem ser agradáveis surpresas:
- Afonso Silva (Tavira), já referido na entrevista pelo Carlos Salgueiro.
- Adrián Bustamante (Simoldes).
- Joaquim Silva (Efapel).
- Lucas Lopes (Rádio Popular), vencedor da Volta a Portugal do Futuro 2025.
- António Carvalho (Feirense). Porquê? Fácil, porque em 2014 o Gamito disse para a câmara, apontando para o Carvalho: "Está aqui um futuro vencedor da Volta a Portugal". Ainda estou à espera e vai ser este ano.
Das equipas estrangeiras, espera-se um contingente forte para a montanha por parte da Petrolike. Já na Israel Academy, tudo indica que vêm com o português Daniel Lima eo espanhol Pau Martí (e o Dias está com uma pancada inexplicável pelo campeão de ITT australiano sub-23 Zac Marriage).
Favoritos
Jesús David Peña — Para mim, o melhor trepador da startlist. Com a quantidade de montanha e chegadas em alto, acho que consegue ganhar o suficiente para poder perder tempo no contrarrelógio.
Alexis Guerin — Dos ciclistas da Anicolor, acho que é o que se defende melhor em alta montanha e, com isso, ter vantagem sobre o seu colega de equipa. Está a fazer uma época de grande nível.
A não perder de vista
Artem Nych — Vem a fazer uma grande época, mas acho que na alta montanha perde para os dois favoritos. Só que tem de ser descartado rápido. Senão ainda vira a classificação a seu favor, como fez o ano passado.
Adrián Bustamante — Vem a fazer uma época regular e fiquei com ele debaixo de olho para esta prova.
Petrolike — A equipa mexicana deve trazer um bom bloco de montanha. Não sei dizer ao certo qual será a maior arma deles (Caicedo? Cadena? Callejas?), até porque vários estão a andar bem este ano.
Apostas falso plano
André Dias — Jonathan Klever Caicedo. Quem é esperto para fazer Top-7 na Volta ao Lago Qinghai é esperto para subir a Torre.
Fábio Babau — David Peña, ainda deve estar quente depois do Pódio no Troféu Joaquim Agostinho.
Henrique Augusto — Vai ganhar um Pino. O Jesus.
O Primož do Roglič — Um qualquer que não seja apanhado daqui a uns tempos para não lhe tirarem a vitória.
Miguel Branco — Vai ganhar um Jesus. O David Peña.
Miguel Pratas — Vai devagar, Callejas.
Nuno Gomes — Bustamante. Se não ganhar esta, não ganha mais nenhuma.
Rogério Almeida — Vai ser David contra Golias. Até vai dar Peña.