As Mulheres que Moldam o Ciclismo Feminino em 2025 - Parte II
Entre a maternidade e a alta competição, as confirmações e as novas gerações, o futuro está seguro para o ciclismo feminino.

Antes de passarmos à Parte II, uma merecida homenagem a Lizzie Deignan — uma das maiores ciclistas da sua geração, que encerra a carreira esta temporada.
Para quem não leu a Parte I, deixo aqui o respetivo link. Incluo também o manual completo sobre o pelotão feminino que o Miguel Branco elaborou antes do início da temporada.

Elizabeth Armitstead, agora conhecida como Lizzie Deignan, não vai fazer parte da lista porque se retira no final deste ano. Mas por tudo o que deu ao ciclismo, como ciclista e como mulher nos últimos 18 anos, merece ser mencionada. Foi uma das melhores ciclistas da sua geração, uma classicómona de excelência, que venceu quase tudo o que havia para vencer. Conquistou quatro dos cinco monumentos, ficando só a Milano-Sanremo fora do seu palmarés, e ainda foi campeã mundial em 2015.
Como mulher no mundo da alta competição, também venceu. Em 2018 com 29 anos, decidiu ser mãe e fez uma pausa na carreira durante esse ano, saindo entretanto da equipa Boels. Com seis meses de gravidez, assinou contrato com a Trek, com todas as incógnitas que isso poderia trazer. A Trek não hesitou e apostou nela, e ela retribuiu quando voltou à estrada em 2019, diretamente para as Ardenas, onde não fez pior que 23º lugar, com o melhor resultado a ser um 7º lugar na Liège. Nesse mesmo ano ainda venceu a classificação geral e uma etapa no Women's Tour.
Se ainda existiam dúvidas, nos anos seguintes conquistou dois monumentos, a Liège em 2020 e a primeira edição da Paris-Roubaix em 2021, de forma espetacular, atacando desde o primeiro setor de pavé e mantendo uma fuga solitária durante 80km até à meta. No ano seguinte decidiu novamente ser mãe, fazendo mais uma pausa na carreira, mas continuando na estrutura da Trek. Quando voltou à competição em 2023, os resultados foram mais modestos e atuou mais como gregária do que como líder, talvez um pouco pelo peso da idade, mas também pela evidente evolução do ciclismo feminino, com as atletas cada vez mais fortes.
Deignan não foi pioneira na conciliação entre maternidade e alta competição. Já em 2014 Marta Bastianelli — campeã mundial em 2007 — se tinha tornado mãe em plena carreira, fazendo a óbvia pausa mas regressando à competição em 2015 e mantendo-se em alto nível até se retirar em 2023. A trajetória de Deignan reflete uma mudança no ciclismo feminino. Na Lidl-Trek, Ellen van Dijk seguiu caminho semelhante, interrompendo a carreira em 2023 para a maternidade. O mesmo ocorreu com Chantal van den Broek-Blaak na SD Worx, após licença maternidade em 2023, a campeã mundial de Bergen 2018, voltou à estrada em 2024, sendo ainda campeã nacional. Quando se iniciava a época de 2025 surgiu uma nova gravidez em fevereiro que a levou a antecipar a reforma da estrada.
"Chapeux" para as equipas — como Lidl-Trek e SD Worx — , que não hesitam em renovar contratos com atletas grávidas, e ajudam nessa transição e compatibilidade de atletas de alta competição e Mães. E celebram não apenas vitórias na estrada, mas também na vida destas ciclistas. E asseguram o amanhã do desporto feminino.
A lista
Liane Lippert — A ciclista alemã, que transitou da DSM para a Movistar em 2023. No último ano de Annemiek van Vleuten, era apontada como a sucessora natural da neerlandesa para 2024. É uma excelente ciclista, especialista em clássicas, com bom desempenho nas montanhas e uma ponta de velocidade que lhe permite disputar sprints em grupos reduzidos — mas não é sprinter Henrique.
Ao longo da carreira, já soma dez vitórias, incluindo a Cadel Evans Great Ocean Road Race, além de etapas no Giro d'Italia e no Tour de France. O futuro dirá o que a espera, mas mantendo a boa forma demonstrada nesta temporada, não tenho dúvidas de que tem tudo para celebrar novas vitórias, talvez seja na Vuelta, e fique já com vitoria nas três grandes.

Blanka Vas — A húngara Kata Blanka Vas representa um investimento a longo prazo da SD Worx. Contratada em junho de 2021, a equipa teve o claro objetivo de a desenvolver dentro de uma das melhores estruturas do pelotão feminino, sem pressões imediatas, ao mesmo tempo que reforçava a sua presença no ciclocross.
No ciclocross, a equipa disponibiliza todos os recursos ao seu dispor, assim como da sua colega Marie Schreiber. Na estrada, quando Blanka está em forma, torna-se uma verdadeira dor de cabeça para as adversárias — seja como gregária de luxo, capaz de puxar o pelotão durante quilómetros pelas suas líderes, seja quando tem liberdade para disputar vitórias.
O seu palmarés já inclui etapas no Giro d'Italia, Tour de France e Tour de Suisse. Este ano, alcançou um notável 2º lugar no Troféu Alfredo Binda, superando a rainha Marianne Vos, entre outras. O seu currículo conta ainda com um 4.º lugar nos Jogos Olímpicos de Paris e o que considero a sua verdadeira apresentação ao ciclismo de estrada: após a sua estreia pela equipa com um 9º lugar na Vuelta, no Mundial de 2021 na Bélgica, com apenas 21 anos e quatro meses após assinar pela SD Worx, enfrentou subidas, pavé, chuva e frio para terminar em 4º lugar num pelotão repleto de estrelas.
Acredito firmemente que Blanka se tornará uma ciclista de topo no futuro próximo. O seu perfil versátil, puncheur com boa aceleração, com boas pernas também se consegue defender na montanha, tem uma excelente técnica de descida herdada do ciclocross e do BTT, como podemos ver na Milano-Sanremo deste ano — prova que poderá vencer nas próximas edições — , espero uma evolução natural das suas qualidades. Tudo indica que em breve a veremos a lutar pelas maiores provas do calendário.

Chloé Dygert — A americana é uma ciclista excecional que brilha tanto na pista como na estrada. Na pista, conquistou o ouro olímpico na perseguição por equipas ao lado de Faulkner e sagrou-se campeã mundial por várias vezes nos últimos anos. Na estrada, é bicampeã mundial de contrarrelógio (2019 e 2023), mas o seu percurso foi marcado por um grave acidente no contrarrelógio do Mundial de 2020 em Imola, que a afastou das competições até 2023. Nesse período de recuperação, participou em algumas provas com objetivos específicos, como os Jogos Olímpicos de Tóquio, embora sem alcançar os resultados esperados.
Tem um perfil versátil, Dygert destaca-se como uma puncheur do melhor no pelotão, com uma ponta final impressionante e qualidades excecionais de contrarrelógio. E não fosse o acidente de Imola, poderia ter-se tornado uma das maiores referências do ciclismo atual. A sua qualidade é inquestionável, mas a realidade é que continua a competir com dores persistentes na perna — consequência direta do acidente. Como ela própria admite, a dor varia de intensidade mas está sempre presente, condicionando o seu desempenho. Mas a história ainda torna as conquistas após o acidente mais notáveis.

Niamh Fisher-Black — A mudança de equipa rumo à Trek poderá trazer-lhe maior liberdade e mais oportunidades de liderança, algo que na SD Worx lhe era negado pelo facto de frequentemente trabalhar para outras estrelas da equipa. Trata-se de uma excelente trepadora, com capacidade para disputar as maiores provas do calendário. Além disso a dinâmica que poderá criar com a Gaia Realini dentro da equipa poderá trazer grandes resultados.

Cat Ferguson — Aos 19 anos, esta jovem promessa está a provar que o futuro do ciclismo já chegou. Com um grande talento, no ano passado dominou várias corridas na categoria de júnior e alcançou a impressionante dobradinha no Campeonato Mundial, vencendo tanto o contrarrelógio como a prova em linha.
Esta temporada deu o salto para o WT através da Movistar, e com uma boa apresentação, destacou-se com um 3º lugar no Troféu Alfredo Binda, terminou no top 20 na Milão-Sanremo e no Tour de Flandres, e só não completou o Paris-Roubaix devido a uma queda provocada por um espectador que invadiu o percurso.
Uma ciclista multidisciplinar, pois também faz ciclocross, e com o apoio certo da equipa pode evoluir tanto na estrada como no ciclocross.

Chiara Consonni — Chiara Consonni consolida-se como uma das principais referências do ciclismo italiano,está no top5 de melhores sprinters do mundo, e com um palmarés brilhante em pista e estrada. Campeã olímpica de Madison nos Jogos de Paris 2024 ao lado de Vittoria Guazzini.
Nos últimos anos, tem demonstrado uma evolução notável em provas mais exigentes, como comprova a sua vitória na Dwars door Vlaanderen em 2022. Esta temporada, destaca-se o seu 10.º lugar na Paris-Roubaix (já tinha sido 9.º em 2023), resultados que confirmam a sua adaptação às clássicas duras.
Com a experiência acumulada e a sorte necessária neste tipo de provas, Consonni revela potencial para aspirar a vitórias nestas competições.

Évita Muzic & Juliette Labous — Ambas são excelentes trepadoras, mas com características distintas: Labous destaca-se nos contrarrelógios, enquanto Muzic mostra maior explosividade nas subidas, sendo na minha opinião uma trepadora mais completa.
Integrantes da equipa FDJ-SUEZ, desempenham atualmente o papel de gregárias de luxo para Demi Vollering. No entanto, o Giro d'Italia Donne deste ano, onde Vollering não estará presente, surge como uma excelente oportunidade para qualquer uma delas brilhar. Se tivesse que escolher entre as duas para a classificação geral optaria por Muzic, já que apesar da desvantagem inicial no contrarrelógio, acredito que as suas qualidades como trepadora se adequam melhor ao perfil da prova.
As duas atletas representam o presente e o futuro do ciclismo feminino francês.

Ashleigh Moolman — Esteve para se retirar em 2022, mas a AG Insurance-Soudal Quick-Step contratou-a para ser a líder e rosto do seu investimento no ciclismo feminino. Aos 39 anos, seu papel é trazer principalmente experiência à equipa e para as jovens, embora continue competindo.
Considerada uma das melhores trepadoras da sua geração, Moolman colocou a África do Sul no mapa do ciclismo feminino durante mais de uma década, acumulando impressionantes 49 vitórias. O seu maior feito foi a conquista geral do Tour de Romandie em 2022, incluindo a vitória na etapa rainha. Embora já não dispute vitórias com a mesma frequência de antes, o seu legado para o ciclismo africano permanece inigualável. Mesmo que não acrescente muitas conquistas ao seu palmarés daqui para frente, a sua contribuição para o ciclismo já foi enorme.

Gaia Realini — A pequena e jovem italiana , é uma trepadora de excelência, em forma é uma das melhores da atualidade. Muito regular em provas por etapas e grandes voltas, mesmo quando há contrarrelógio, disciplina que embora não seja a sua especialidade, quando o perfil não é totalmente plano, é capaz demonstrar uma capacidade notável de adaptação.
O seu talento com a sua juventude, tudo indica que está destinada a conquistar as maiores provas do calendário nos próximos anos.

Cecilie Ludwig — Para além das suas qualidades como ciclista, o que me cativou quando começou a destacar-se foram as suas entrevistas. Com Ludwig, ser entrevistador torna-se tarefa fácil: basta uma pergunta para desencadear várias respostas e um sorriso contagiante que poderia animar qualquer um.
No terreno, revela-se uma puncheur de excelência, com uma ponta final que a torna temível nas clássicas das Ardenas e italianas, e também em etapas com finais duros ao sprint. Quando está em forma, as adversárias precisam de a marcar muito bem pois é uma grande ciclista.
A mudança da FDJ-Suez para a Canyon despertou expectativas de melhores resultados, mas até agora, parece ainda não ter encontrado a sua melhor forma na nova estrutura. Contudo mantendo a sua capacidade de superação e o talento que já demonstrou, acredito que poderá vir a mostrar todo o seu potencial mais adiante nesta temporada.

Marta Cavalli — Uma das ciclista que mais gosto dentro do pelotão. Italiana de enorme talento, destaca-se como especialista em clássicas e trepadora, e ainda se defende bem nos contrarrelógios. Esta versatilidade faz dela uma ciclista muito completa.
O ano de 2022 foi um misto de glória e adversidade. Cavalli esteve perto de conquistar a Tríplice Coroa das Ardenas, faltando apenas a Liège-Bastogne-Liège (6.º lugar). Nesse mesmo ano, venceu o prestigiado Mont Ventoux Dénivelé Challenges, alcançou um brilhante 2.º lugar no Giro Donne e terminou em 5.º na Paris-Roubaix. No entanto, o Tour de France Femmes foi de maneira diferente, na 2.ª etapa, quando existe uma queda no pelotão, Cavalli pára, e sem estar a contar vem a ciclista Nicole Frain, que vinha a recuperar dos carros para o pelotão, e bateu na Cavalli sem travar. As lesões físicas sararam em um mês, mas o impacto psicológico persistiu, especialmente o medo de correr no meio do pelotão.
Os sinais de recuperação surgiram no final de 2023. Cavalli venceu uma prova por etapas, incluindo a etapa rainha, e terminou em 2.º no Giro dell'Emilia Donne, demonstrando que ainda tinha o nível para competir ao mais alto nível. A temporada de 2024 foi marcada por lesões e pelo final do seu contrato, mas a mudança para a Team Picnic PostNL oferece-lhe agora a oportunidade de recomeçar como líder.
Espero que Cavalli regresse à sua melhor forma, aquela que víamos nos anúncios da Eurosport a gritar "Vai, Marta!" nos anúncios da Eurosport.

Kimberley (Le Court) Pienaar — Ciclista das Ilhas Maurícia, com 29 anos. Mais uma ciclista que chegou tarde ao ciclismo, e fomos nós que pelos vistos ficámos a perder. Fazia MTB, várias vertentes dentro da modalidade. Ainda bem que o marido a convenceu a experimentar o ciclismo de estrada aos 27, porque estamos perante uma atleta fora de série. Quando a vemos competir, parece uma veterana — e pela camisola a campeã do mundo, mas não é, é campeã nacional das Maurícia — e corre com a classe e confiança de quem faz isto há anos.
O que mais surpreende em Le Court é a sua adaptabilidade a todos os tipos de provas. O contrarrelógio parece ser a sua única limitação, embora a falta de participações nesta modalidade não permita ainda uma avaliação definitiva.
Já tinha mostrado o seu valor com uma vitória de etapa no Giro no ano passado, mas foi na Liège-Bastogne-Liège deste ano que verdadeiramente explodiu para o mundo, conquistando a prova de forma magistral.
Esta história, de uma quase desconhecida das Ilhas Maurícia a vencer uma das provas mais prestigiadas do calendário, é o que faz do ciclismo um desporto tão especial. Com menos de dois anos na estrada, Kim Le Court ainda tem muito para mostrar.

Fem van Empel — Com apenas 22 anos, foi uma das dominadoras dos últimos três anos no ciclocross de elite. Na estrada, espera-se que venha a ter uma grande carreira. Desde que se estreou pela equipa Visma em 2023, tem obtido alguns bons resultados, como o 11.º lugar no Giro Donne desse mesmo ano, quando tinha apenas 19 anos.
No entanto, na época de 2024 não se destacou tanto na estrada e, este ano, já se afastou temporariamente devido a problemas de saúde mental. Esperamos que consiga recuperar e voltar mais forte, para nos mostrar todo o potencial que sabemos que tem.

Silvia Persico — Quando ainda estava na extinta Valcar, no seu último ano pela equipa, fez uma época espetacular que a projetou como uma das grandes referências italianas para clássicas e provas por etapas. Com a mudança para a UAE, nos últimos dois anos não teve a evolução esperada, embora tenha conseguido alguns bons resultados.
Nesta temporada, tem demonstrado novamente boa forma e capacidade para competir nas principais provas. Apesar do revés na Liège, onde teve uma queda, espero que tenha um regresso ainda mais forte.

Zoe Bäckstedt — É filha de Magnus Bäckstedt, vencedor da Paris-Roubaix em 2004, e arrisco a dizer que vai ganhar mais vezes em Roubaix que o pai. Com apenas 20 anos, a britânica já mostra um grande talento, especialmente nas clássicas e contrarrelógios.
Zoe destacou-se no ciclocross, onde conquistou vários títulos mundiais nas categorias jovens. Ainda muito nova, tem margem para evoluir e continuar a desenvolver as suas capacidades.

Ricarda Bauernfeind & Neve Bradbury & Antonia Niedermaier — As três representam o presente e o futuro da equipa Canyon nas provas por etapas, tendo todas alcançado pelo menos um top 10 em grandes voltas e conquistado etapas nas mesmas provas.
Ricarda, a mais experiente das três com 25 anos, destaca-se não só nas provas por etapas como também nas clássicas. Atualmente, encontra-se em fase de recuperação de uma lesão nos joelhos desde junho do ano passado.
Se tem montanhas tem Neve e não é por culpa da meteorologia. Excelente trepadora, tal como Ricarda também se defende bem nas clássicas.
Antonia, a mais jovem do trio, é possivelmente a mais completa. Além de ter as qualidades das duas companheiras, ainda anda muito bem nos contrarrelógios.

Letizia Paternoster — Mais uma ciclista multidisciplinar que alia a estrada à pista. Foi campeã europeia em ambas as modalidades, na estrada em junior, e no ano passado na pista. Tem um potencial excepcional para sprints e clássicas com dureza. Desde a sua transferência da Trek para a Jayco em 2023 que espero que seja o seu ano de afirmação como grande ciclista. Conto que ao longo desta temporada consiga as vitórias que certamente ambiciona e para as quais tem todo o potencial. É uma atleta a seguir em qualquer prova, embora infelizmente, seja propícia para azar e quedas, esperemos que não se repitam.

Noemi Rüegg — Não podia deixar de falar nesta ciclista, que promete ser uma das melhores nas clássicas e não só. Este ano já venceu o Santos Tour Down Under, incluindo a etapa rainha, que foi muito disputada pelas trepadoras.
Nas clássicas, tem tido bons resultados, com quatro top-10 em sete provas disputadas. Estes desempenhos mostram a sua qualidade e regularidade.
