Fomos passear ao Angliru. O João viu-nos e teve de ganhar.

Celebrámos a vitória do João in loco, cantámos os parabéns ao Ivo, aprendemos com os Lingrinhas como é que se domina esta arte do apoio em grandes voltas e ganhámos uma dor de pernas que valeu a pena, valeu muito a pena.

Fomos passear ao Angliru. O João viu-nos e teve de ganhar.
O cansaço. A alegria. A barriga.

Vamos? Vamos.

Esta história começa, como muitas aventuras dos dias que correm, num grupo do WhatsApp. O Rogério, meu colega aqui no falso plano e membro dos já experimentados nestas andanças "Lingrinhas", informou-nos que ia mais uma vez em excursão com o seu grupo ao Angliru. A ideia soou-me bem, já eram demasiados anos a ver na televisão sem nunca experimentar a energia de estar numa dessas subidas que marcaram e marcam a minha vida. O Branco, indisponível porém motivador, deu o mote, a semente estava criada e já não havia volta a dar. Ia então "colar-me" aos Lingrinhas, que vão ser protagonistas nesta história e a quem deixo desde já um abraço e um obrigado por me terem recebido de braços abertos, e seguiria rumo ao Angliru.

Cumpri com metade do que me foi pedido. Levei tinta que deixei no carro, mas não fui para a equipa dos Lingrinhas na app.

Dirigi-me então ao grupo do lado. Um grupo que existe para discutir até à exaustão sobre ciclismo, com especial foco na nossa muito querida Cycling Fantasy App. Discutia-se o percurso da Vuelta, as etapas mais duras, onde é que o João ia descarregar o Vingegaard, tópicos do dia-a-dia, portanto, quando eu apresento a proposta. O Vilucho chegou-se logo à frente, já tinha companhia e já não sobravam dúvidas: íamos assistir, in loco, à ascensão que muitos apelidam de "a mais dura da Europa".

A minha particular estima pelo Angliru vem não só da sua dureza, mas também do facto de ter sido o palco do dia em que mais me emocionei a ver ciclismo sem ser por ciclistas com os quais partilho o local de nascimento. Estávamos em 2017 e Alberto Contador havia anunciado a sua retirada. "El Pistolero" queria sair em grande, queria abandonar o ciclismo antes que o ciclismo o abandonasse a ele, e por isso comunicava que a época que realizava com 34 anos de idade seria a sua derradeira. Para quem, como eu, começou a acompanhar de forma mais intensa ciclismo na era pós-Armstrong, Alberto Contador é um nome incontornável. A forma de pedalar levantado, o festejo icónico, os ataques irreverentes, a fase de domínio seguida da fase de luta contra o "Sky Train" (por motivos de romantização úteis a este post, vamos ignorar o consumo excessivo de bifes por parte deste senhor). Os melhores dias, era indiscutível, já tinham passado por ele, mas a combatividade continuava lá, e a qualidade também, como mostram os resultados de 2017: 2.º no Paris-Nice, no País Basco e na Catalunha e top-10 no Tour. O homem que balançava pelas subidas acima chegava à Vuelta sem vitórias ainda na época e sabendo que seria a sua última corrida, e não quis deixar nada por fazer. Atacou, atacou, depois pensou em parar mas atacou, depois estava cansado mas atacou mais um bocadinho. Queria levantar os braços uma última vez, mas passadas 19 etapas ainda não tinha visto o seu esforço ser recompensado. Restava então o mítico Angliru, onde já havia vencido em 2008 a caminho da sua primeira vitória final na grande volta da sua terra natal. Contador entrava para a etapa em 5.º na geral, mas não era esse o seu foco e, sabendo da força que a Sky tinha e do quão difícil seria batê-los no mano-a-mano, atacou ainda antes da entrada no Angliru e começou a subida com uma curta, mas valiosa, vantagem. Em teoria, é irracional arrancar para uma subida destas sozinho na frente, tendo tantos e tão duros quilómetros para percorrer, mas Contador nunca deixou que fosse a teoria a guiar a sua carreira e seguiu, incólume, Angliru acima, levando ao delírio os fãs espanhóis e um tuga que, colado ao sofá, torcia para que um dos seus grandes heróis tivesse a despedida que merecia. E assim foi, Froome e Poels ainda se aproximaram, mas a última bala seria lançada naquele dia. Foi bonita, a história que escreveu no ciclismo, e foi tão ou mais bonita a forma como dela se despediu.

A última bala do "El Pistolero". (foto: SBS)

De Almada ao Angliru vão 9 horas de distância

Chegava então a hora de me fazer à estrada. Almada-Porto na 5.º feira à noite. 3 horinhas de viagem, um sono rápido e às 4 da manhã estava na beira do meu amigo e companheiro de viagem Vilucho para rumarmos à nossa aventura.

Eram cerca de 6 horas de viagem que nos esperavam mas passaram a voar. Eu e o Vilucho já tínhamos discutido muito no grupo acima citado, mas nunca nos tínhamos encontrado presencialmente. Saber um bocado da vida de cada, dar-nos a conhecer mas acabando, inevitavelmente, por descambar naquilo que nos uniu e o nos levou até ali, o ciclismo. O Vilucho, para que saibam, é a maior máquina que existe. Sabe os resultados da app antes da app os lançar, cria fantasies quando elas não existem (Baby Giro e Avenir, por exemplo), tem um sentido de humor inacreditável e faz vídeos a gozar conosco que são dignos de óscares. Como máquina que é, levou quizzes de ciclismo para a viagem (sim, somos esse nível de doentes) e nunca faltou assunto. Sabiam que o André Cardoso e o José Mendes tinham feito top-10 na chegada ao Angliru em 2013? Poooois, agora já sabem.

Chegado a Oviedo, abastecemos de petisco e de combustível liquido, sempre essencial para quem se vai sujeitar a esforços tão exigentes. Há quem diga, malta com estudos, que o fundamental é a água. Eu só ouvi a parte dos líquidos e acabei por carregar na cerveja. Aparecia então, perante nós, o primeiro grande obstáculo da viagem. A policia já não estava a deixar ninguém aproximar-se da subida, o que queria dizer que o inferno já esperado de subir o Angliru seria ampliado por uma caminhada de 10 quilómetros até à base da subida.

Não havia nada a fazer, tínhamos percorrido 1000 quilómetros para estarmos ali e teríamos de fazer o restante a pé. Foi duro, muito duro, mas olhando agora, que já não me doem (tanto) as pernas, tornou a viagem ainda mais mítica.

Foda-se, do sofá é mais fácil

Passado cerca de 5 quilómetros, o Maps sugeriu-nos uma alternativa que nos pouparia cerca de 3 quilómetros de viagem. Maldita decisão foi aceitar essa sugestão, mas já lá vamos. Na foto que se segue encontramo-nos nesse momento, de sair da estrada principal para ir "poupar" quilómetros.

Cerveja de combustível, adoro e aconselho. Cigarro na mão, adoro e desaconselho. Chinelos é a minha cena, de Março a Outubro nem sei onde tenho os ténis.

Este desvio consistia em atravessar uma montanha. Nem há muitos registos fotográficos porque o nosso foco estava só em não falecer. O telemóvel dizia que só chegaríamos ao Rogério (que, com os seus sábios colegas dos Lingrinhas, tinha ido mais cedo e já estava instalado a 2 quilómetros da meta) depois das 17 horas, o que nos colocava em risco de não vermos a passagem dos ciclistas. Cada 100 metros eram uma eternidade e cheguei a colocar em causa se me ia aguentar nas canetas. Por isso, não havia tempo a perder e pelo meio do mato, de subidas cheias de pedra e de lama e com inclinações que nem consigo descrever, fomos avançando. Os meus colegas, refastelados no sofá, iam gozando o prato.

Duas horas e tal depois, vimos bandeiras da organização aparecerem do meio das árvores. Wow, ao menos não nos enganámos no caminho e mesmo sem rede conseguimos ir dar com a corrida. Perguntamos onde estamos e o senhor agente diz-nos que a 8 quilómetros da meta. Depois de todo este esforço, havíamos desaguado exatamente na entrada para a zona final, a mais dura. Estávamos contentes por não termos ficado perdidos para sempre perdidos no meio do mato, mas o caminho ainda se esperava longo.

O Vilucho está fresco. Veio sempre na roda o palhaço.

Depois de uma pausa muito bem-vinda numa barraca para nos refrescarmos um pouco, passámos então à abordagem ao Angliru propriamente dito. As pernas doíam, mas finalmente estava lá, a fazer o reconhecimento da subida que horas mais tardes iria ser encarada pelos homens que só costumo ver na TV. Esse entusiasmo trouxe mais força mas as pendentes não perdoavam. Foi incrível fazer toda a subida a pé, em passo acelerado porque o relógio não estava do nosso lado, e ver a quantidade de pessoas que partilham desta mesma paixão e enchiam as bermas da estrada. Dar aqui destaque à quantidade surreal de portugueses com que nos cruzámos, a força que o Bota Lume ia receber na estrada era imensa, e a força que eu ia recebendo também. Entre alguns seguidores do falso plano que iam desejando uma forçinha e muitos espanhóis a gozar com o meu apropriado calçado para esta missão, ia caminhando rumo ao topo. Meio desesperado, shirt off, mas o objetivo estava lá em cima e seria alcançado.

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Aqui já estava confiante. Sabem quando já vos dói tudo e então já não vos dói bem nada? Era isso.

Rogério, Nuno e os restantes Lingrinhas esperavam-nos a 2 quilómetros da meta. Nós estávamos a cerca de 3. Mas porra, faltava passar a famosa Cuesta de las Cabras. 600 metros míticos, cheios cheios cheios de gente, e mais agradáveis de ver na TV do que de percorrer de chinelinho. Terminada essa reta interminável, curvamos e lá está o Rogério. Minha nossa, acho que nunca tinha ficado tão contente de ver alguém (dar nota que o Vilucho disse o mesmo, e ele tem filhos).

Desculpem encher isto de multimédia, mas merece. O Roger recebia assim o que ainda restava de nós, depois de dezasseis quilómetros e muitos metros de acumulado.

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Esperávamos. Desejávamos. Conseguimos. Vitória. Viva Portugal.

O descanso do guerreiro.

Que se Bote o Lume

Ainda tínhamos cerca de meia hora até à passagem dos ciclistas. Meia hora passada a rever caras amigas, a conhecer caras novas, a cumprimentar a malta toda e a recuperar o fôlego. Dificuldades na rede impediam-nos de ver a corrida mas, de vez a vez, o PCS lá funcionava e conseguíamos saber pelo menos o estado das coisas. UAE na frente do pelotão (vamos!), Ayuso dropado (não comento!), Ivo a puxar (herói!), Grosschartner a desfazer o pelotão (duplo vamos!). As noticias iam subindo a montanha e já sabíamos que o João impunha ritmo, apenas com Jonas Vingegaard na sua roda. A emoção ia escalando em nós, o entusiasmo, o orgulho de ter um português nesta luta é tremendo, independentemente do resultado final. O sonho era ver João Almeida aparecer na curva que o traria até nós sozinho, tendo já deixado Jonas Vingegaard para trás. Os sinais estavam lá, o João para correr daquela forma é porque se estava a sentir muito confiante e o dinamarquês (bi-campeão do Tour, vale sempre a pena recordar o nível a que o João compete hoje) para não o atacar era porque fácil não ia. Nós acreditávamos que era possível, o João já nos havia surpreendido tantas vezes que tudo é possível. Começam a passar os carros de apoio, o grande momento está a chegar. João Almeida aparece, determinado, peito ao vento, olhos de killer postos na estrada, inabalável. Na sua roda, Jonas Vingegaard, mas nem isso fazia esmorecer o nosso entusiasmo de ter um português a este nível. O João transpirava confiança, Vingegaard nem tanto, mas isto talvez seja a análise enviesada de quem tem claramente um preferido nesta luta.

Vejam então o vídeo da passagem do João por nós, que retirei do Instagram dos Lingrinhas. Foi a vontade de o "empurrar", a esperança e o caos tudo junto. Foi para isto que fiz tantos quilómetros, e valeu a pena.

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Às vezes, a boa educação tem que ser deixada de lado. E, às vezes, "BORA CARALHO" é a melhor frase que se pode ouvir para alguém sentir que está um bocadinho em casa.

A euforia reinava mas era preciso manter a calma, a corrida continuava, os ciclistas passavam por nós. Fruto da dureza da subida, passavam tão devagar que dava bem para desfrutar dos seus rostos carregados de dor e de esforço, sentir de perto o que é ser ciclista e o que é escalar o Angliru a fundo. Berrei por Kuss, que há dois anos tanto sofreu aqui. Gritei por Pidcock, que preciso que ele me salve a fantasy. Espantei-me com a presença de Abel Balderstone entre os primeiros.

Passado este período de puro regalo e começando os ciclistas a aparecer apenas de forma mais esporádica, o foco voltou-se para o resultado final da etapa. Porra, a internet não funciona. Será que o João ganhou? Será que dropou o Ving? Será que o Ving estava apenas a ser frio e o atacou no final? A internet continua a não funcionar, a não funcionar, até que funciona. "João Almeida wins" leio no telemóvel acompanhado de mil mensagens de grupos onde toda a gente festejava. Grito esta informação que me chegou e dá-se inicio à festa. O João tinha ganho no Angliru, o João tinha vencido Vingegaard, o João tinha sido o mais forte onde o Pistolero disparou a sua última bala, e eu estava lá, rodeado de amigos e de malta que é tão louca por isto como eu. Bem dita a hora em que decidi vir, bem ditos os quilómetros que fiz a pé, bem dita a hora em que me apaixonei por este desporto, em que integrei este projeto, em que conheci o Rogério que me levou até ali, em que conheci o Vilucho que me acompanhou. Valeu a pena, e não há muito mais a dizer a não ser agradecer a esta gente toda pela oportunidade e, claro, ao João por nos dar tamanha alegria documentada abaixo.

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O Dunbar ficou com um elevado grau de certeza sobre quem teria ganho a etapa, presumo eu.

A corrida continuava, embora nós nos tenhamos esquecido desse pormenor durante os festejos, algo a que a polícia, com razão, não achou tremenda graça. Mas as emoções superiorizaram-se à razão, o que é sempre perigoso mas sempre belo. Era hora de festejar amigos, o Angliru era nosso.

E esta merda é toda nossa allez.

O dia já estava ganho, mas corrida continuava

Ficámos depois a ver os ciclistas a passar a conta gotas. O sofrimento deles era palpável mas o prazer de os ver passar, devagarinho, ali à nossa frente durante a hora que se seguiu foi tremendo. Muitos pequenos momentos que ficarão na minha memória. "Ofendemos" Bisiaux por o termos levado na fantasy e ele não pontuar nadinha, vimos passar nosso senhor louvado sejas Mikel Landa, dissemos ao Tiberi que aqui (não) havia gato, provocámos Ayuso ao gritar pelo Almeida à sua passagem (o espanhol teve uma reação espetacular, "juntando-se" aos festejos a levantado os braços, o que é chato, porque eu gosto de não gostar dele e agora vai ser mais difícil). Mas entre todos estes momentos queria destacar dois.

Primeiro, a passagem de Ivo Oliveira, o aniversariante do dia. Esperávamos a sua passagem com um pequeno bolo celebratório das suas 29 primaveras e com as gargantas afinadas para lhe cantar os parabéns. Foi um momento delicioso, em que o resto do pessoal na subida não percebia bem o que se estava a passar, numa fase em que a maioria dos ciclistas já vem no seu ritmo e em que a multidão já está mais calma. O Ivo sorriu quando percebeu que estavam ali 15 malucos para lhe cantar os parabéns. É bom sentir que os ciclistas também sentem, que não são máquinas. Deixo em baixo o vídeo publicado pelos Lingrinhas que documenta o momento, e ao qual o Ivo (e o Rui) já fizeram questão de agradecer.

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Se isto não é épico nem sei.

O segundo momento que vos quero contar mostra bem que, nestes ambientes, não só dos vencedores se faz a festa nem as histórias. O Nuno, que à semelhança do Rogério tem tanto amor pelo ciclismo que dá para "dividir" entre os Lingrinhas e este projeto, tem este hábito de facilitar a vida aos ciclistas, exibindo a sua capacidade física subida acima empurrando os pobres sprinters cujo único objetivo é chegar lá acima dentro do tempo limite. Chegavam o que nós achávamos ser os últimos três ciclistas (afinal ainda viria Chumil, vencedor da Torre na nossa Volta, uns cinco minutos depois) e o Nuno ainda tinha energia, sabe-se lá como. Mads Pedersen recusou o "push" do Nuno, talvez por solidariedade com o seu Søren Kragh Andersen que o acompanhava. Logo atrás vinha Stanisław Aniołkowski que não se fez rogado e aceitou de bom grado o empurrão do Nuno. O Nuno levou a recusa do Mads para o lado pessoal e tornou sua missão fazer o polaco da Cofidis ultrapassar Mads Pedersen, sugestão à qual o sprinter respondeu com um sorriso de orelha a orelha. Missão cumprida, o Nuno empurrou-o até próximo do camisola verde e o Aniołkowski levou a coisa a sério, ganhando ainda quase um minuto ao Mads até ao fim da subida.

Felizmente este momento ficou documentado pela lente de CharlyLopezPh.

Épico. Ciclismo em estado puro.

Tudo o que sobe, desce

Diz a física que descer não custa tanto quanto subir, e é verdade. Custa na mesma, sobretudo aos joelhos, mas menos. Deixar nota que o Angliru só tem estrada de um lado, o que faz com que toda a gente tenha de percorrer a mesma estrada para sair, incluindo ciclistas (profissionais e amadores) o que torna a descida um bocado caótica, até porque os profissionais têm tal confiança que descem com muita velocidade, de apito na boca a informar que vem aí um comboio que não quer ser travado. Se viermos de uma vitória que nos encheu o coração, as pernas doem menos. A descida foi muito divertida, os espanhóis saudavam-nos com uma alegria que me surpreendeu. Afinal, o João não nos está a oferecer uma grande corrida só a nós, mas a todos os fãs de ciclismo que temiam que um domínio de Vingegaard pudesse estragar o entretenimento. Tantos passavam por nós gritando "Vamos Almeida" que é difícil quantificar as vezes que tal sucedeu. Às tantas parámos numa curva para ficar a saudar toda a comitiva de carros que ia descendo, erguendo bem alto as bandeiras à sua passagem e recebendo buzinadelas de todos eles, já que compreendem que o ciclismo não é só sobre a sua equipa ganhar, mas também e sobretudo sobre esta união e alegria das pessoas. Alguns portugueses, mecânicos e membros das equipas, eram naturalmente mais efusivos nos festejos. Afinal, por muito que estejas empenhado no teu trabalho, não deixas de ser um tuga, e um tuga fica feliz quando outro tuga ganha, é assim que deve ser.

Ia recuperando a rede, a euforia reinava entre os meus grupos e a minha mãe estava contente por eu aparecer na televisão. Eu apareço na televisão todas as semanas, basicamente, no nosso querido videocast, mas nem ela tem paciência para nos ouvir.

Que belo.

Antes da chegada ao carro para o regresso, ainda tínhamos mais uma surpresa. Nós sabíamos que o João havia de ter que descer também, ele é foda mas não se teletransporta. E quando já chegávamos à base da subida, aproxima-se uma carrinha da UAE. A festa regressa, bandeiras ao alto, vozes afinadas, era o João no banco de trás. Praticamente parámos o carro, fizemos a merecida festa, o João sorriu e seguiu viagem, acreditando eu que com mais 1% de força para as batalhas que lhe restam.

Agora está nas tuas mãos, João, fechar isto em beleza

Chegados ao sopé e terminada a aventura, o Márcio (dito presidente dos Lingrinhas) ofereceu-nos uma boleia até ao nosso carro que eu agradeço pela vida e fomos descansar, que no dia a seguinte havia mais em Farrapona. Não vou detalhar a história do segundo dia, foi divertido, foi bem passado com esta gente boa, mas o Angliru é o Angliru e é o Angliru a estrela desta história.

Não podia fechar este artigo sem agradecer aos Lingrinhas, que são tudo malta impecável e que me ensinou como é isto de ver corridas, de subir montanhas, de estacionar perto, de correr ao lado dos ciclistas sem chatear ninguém e de manter a boa disposição sempre. Agradecer ao Márcio, ao Nuno e ao Rogério, já citados, mas também à Marta, ao Ivo, ao Manel, ao Rui, ao Torres e ao homem da câmara, o Diogo. Sem vocês não sei se teria ido mas sei que a experiência não tinha sido a mesma. O precedente que eles abriram, de se correr essa Europa fora a apoiar os portugueses (e não só) neste desporto de que tanto gosto é uma inspiração para mim, e poder ter vivido isso agora por dentro foi um orgulho muito grande. Até vesti uma camisola deles, mas foi só porque estava com frio e a minha estava encharcada de suor. Está descansado Branco, vou continuar a ser miserável na app mas vou ser miserável no nosso clube. Acho que eles não me aceitavam, mesmo que eu quisesse.

Sim, fui apanhado com as calças na mão.

Uma experiência sem dúvida a repetir e que aconselho muito a quem vibra com este desporto. Estar lá, ver os ciclistas, sentir a dureza da subida é um acrescento gigante à experiência. Agarrem em vocês um dia e vão. O falso plano vai voltar a estar presente, certamente, e ainda bebemos uma juntos.

Uma última palavra de agradecimento (pareço os velhos no Preço Certo) ao Vilucho por ser o companheiro perfeito para esta viagem, e, claro, ao João.

O João tornou possível o meu sonho e o de tantos outros portugueses. Deu-nos algo em que acreditar, fez-nos esperar feitos que antes pensávamos que nos estavam vedados. Desde a vitória na Liège de sub-23, ao teu aparecimento no Algarve, à chegada à camisola Rosa, às lágrimas no Stelvio, à vitória no Bondone, ao pódio no Giro, à exibição estratosférica no Tour, passando pelos Covids e quedas, tem sido um prazer acompanhar o teu percurso e sofrer contigo. Falta algo, todos nós sabemos que falta algo. E bem sabemos que o que te pedimos é uma tarefa hercúlea. Esta época tem sido excepcional, deste ainda mais um passo em frente quando o nível já era tão alto, às vitórias seguiram-se mais vitórias que culminaram, até agora, com esta vitória monumental. Mas falta a histórica vitória numa Grande Volta e, mesmo tendo eu quase a certeza que se não for desta vez será de outra, tenho a ousadia de te pedir que seja já desta, estamos cansados de esperar, estamos à espera desde sempre. É possível bater Jonas Vingegaard, por tremendo que seja o desafio já provaste que te consegues bater com ele e que, quem sabe, o possas mesmo vergar algures nas montanhas espanholas e dares-me a mim, ao Vilucho, aos Lingrinhas e a tanto outros milhões de fãs essa alegria que desde sempre esperamos. Conquista esta vitória por ti, e por todos nós.

Eu acredito que vai ser desta João, e espero que tu também acredites. Dá tudo e faz-nos sonhar só por mais um dia, todos os dias até Domingo.

BOTA LUME 🔥 (foto: UAE Team)